sexta-feira, 26 de setembro de 2008

Leiam com atenção...


Guerra é coisa de adultos

Quando cheguei a Sarajevo, em agosto de 1992, a capital sitiada da Bósnia estava sob forte bombardeio. A primeira e mais forte impressão que se tem é o barulho das bombas, claro. Tinha a sensação de ser vítima de uma máquina do tempo que me levara para meio século atrás, quando a mesma região vivia a sua guerra civil anterior – a atual é a quinta deste século.
Chegar a uma cidade sitiada já é uma cena incrível. Depois de atravessar o país em guerra, o cerco propriamente dito é como um cordão de isolamento em torno da capital. Há um momento em que, numa distância de apenas cinco quilômetros, a pessoa cruza postos de controle militar de três exércitos e outras tantas vezes o carro é revistado por soldados armados até os dentes.
Depois, quando se entra no território dominado pelo governo de maioria muçulmana, pega-se uma avenida que lembra cenas do filme Mad Max: há carcaças de carros, ônibus e tanques de guerra queimados e espalhados ao longo da rua. De um dos lados estão os atiradores sérvios, que, você sabe, estão tentando mirar você. Então o motorista do carro deve dirigir à maior velocidade que o motor agüentar, desviando dessas carcaças e fazendo pequenas curvas para tornar o automóvel um alvo mais difícil. Não há montanha-russa mais assustadora que essa em todos os parques de diversões do mundo.
O ouvido dos moradores se acostuma com as bombas que chovem pela cidade. Os estrangeiros estranham. Eu, correspondente de guerra, que deveria estar ali para cobrir os acontecimentos com frieza, passei a primeira tarde dentro do hotel, cheio de medo. Só não fiquei paralisado porque depois de algumas horas as bombas parecem ser uma espécie de música de fundo, e aí você sente medo apenas das mais fortes.
Os morteiros, mais comuns, fazem o barulho de um rojão em volume mais alto. Há uma espécie de estampido seco, um assobio engraçado e uma explosão sem nenhuma graça. Já os tiros com armas de precisão fazem menos ruído, mas são mais macabros. Quando você ouve o choque da bala contra alguma coisa, tem a certeza de que o atirador estava mirando alguma pessoa e que na luneta de mira via até o rosto da pessoa, talvez até tivesse visto a expressão da vítima na hora da morte.
Será que um dia o mundo todo vai ser tomado pela violência nacionalista que hoje destrói a ex-Ioguslávia e outros países da Europa do Leste, da África e do Oriente Médio? Essa é a pergunta que todo mundo se faz. E o pior é que cada vez mais nem só os loucos vêem nos fatos prenúncios do apocalipse. Outra sombra escura é o fato de ali se encontrarem mais e mais forças militares estrangeiras sob a alegação de estar a serviço da ONU, mas na verdade, divididas por antigas fidelidades a algum dos lados da guerra.
Russos apóiam sérvios, que combatem os croatas, que usam o apoio dos alemães para atacar os muçulmanos, que tem o apoio político dos turcos, inimigos dos gregos, que por terem a mesma religião ortodoxa são aliados dos sérvios. Um profeta do apocalipse a esta altura só precisará lembrar que esse era exatamente o cenário dos dias que precederam a Primeira Guerra Mundial. E as profecias da época se cumpriam rigorosamente.
Bem, tudo isso é apenas geopolítica – assim como as guerras, é coisa de adultos que destroem o mundo. Assim sendo, é melhor a gente olhar para o que fazem os jovens. Quem sabe sua mente mais limpa possa nos mostrar caminhos mais retos para o futuro do que os que vemos pela frente.


(Extraído de “Prefacio” de Leão Serva, do livro O diário de Zlata: a vida de uma menina na guerra, de Zlata Filipovic, Companhia das Letras, 1995).


Nossa próxima tarefa é "descobrir" mais informações sobre a menina Zlata. Mãos à obra!

5 comentários:

a vida de uma estudante disse...

A vida de uma menina na guerra" um contato direto com a guerra de Sarajevo de setembro de 1991 a outubro de 1993.
Relata a dor e tristeza de uma menina que antes de completar onze anos acorda num mundo que não é igual ao das outras manhãs: a sua escola fecha, falta luz, comida, água, seus amigos morrem...os pátios por onde ela derramava seus sonhos são destroços de ataques áereos.
Zlata Filipovic ficou conhecida como a Anne Frank de Sarajevo. O diário que iniciou aos 11 anos, às vésperas de eclodir a Guerra da Bósnia, em 1992, acabou fazendo dela a cara humana do conflito étnico que deixou 200 mil mortos ao longo de três anos. Era uma criança comum, que jogava tênis e esperava ansiosa para reencontrar as amigas na escola, quando se viu refém em sua própria casa, em meio a escombros e notícias de mortes de conhecidos.
Com voz doce e inglês perfeito (há 11 anos ela mora em Dublin), Zlata falou ao "Globo" por telefone da sua surpresa sobre a prisão de Radovan Karadzic - o Carniceiro da Bósnia, detido na segunda-feira em Belgrado depois de 13 anos foragido da Justiça. Para ela, Karadzic representava o líder dos que atiravam em sua cidade e matavam seus familiares "por de alguma forma se acharem superiores", diz sobre a maioria sérvia da antiga Iugoslávia que tentou construir a Grande Sérvia às custas de outras etnias.
Foi graças ao diário, descoberto pelo Unicef e publicado em 1993, que sua família conseguiu, com a ajuda da ONU, fugir para Paris. Hoje, aos 27 anos e com mestrado em relações internacionais, Zlata acaba de lançar em 11 países o livro "Vozes roubadas" (Cia. das Letras), uma compilação de diários de guerra como o dela.

TALITA RIBEIRO disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
TALITA RIBEIRO disse...

Pouco antes de completar 11 anos, em setembro de 1991, a menina Zlata Filipović começa a escrever um diário contendo cenas do cotidiano feliz e despreocupado vividas em Sarajevo (capital da Bósnia). Sete meses depois, eclode no país a guerra civil. As preocupações corriqueiras desaparecem para dar lugar ao medo e à perplexidade por estar no meio de um conflito. Zlata ficou mundialmente conhecida quando a Unicef, em 1994, publicou O diário de Zlata – A vida de uma menina na guerra.

“Nunca imaginei que algo assim poderia acontecer. Como tudo pode mudar em um segundo? A escola em que eu estudava foi fechada. Lugares que adorava foram destruídos. Pessoas próximas foram feridas ou mortas. Não conseguia entender o porquê de estarem destruindo as coisas que eu tanto amava. Escrever no diário foi um desabafo. Considerava-o um anjo da guarda, um amigo, companheiro nos momentos difíceis, que não falava, só ouvia”, comentou Zlata.

Numa palestra Zlata falou sobre as lembranças que tem da guerra e, o mais importante de tudo,disse que, por pior que tenha sido esse período, ela não se tornou vingativa ou amarga, mas, sim, alguém com desejo de ensinar as pessoas a aproveitar e dar maior valor à vida e a preparar-se para tudo. Foi essa a lição que a guerra deixou para ela.

Pelo fato de sua biografia ser relativamente semelhante a de Anne Frank, Zlata é, também, chamada de "Anne Frank de Sarajevo". Diferentemente de Anne Frank, Zlata e sua família sobreviveram à guerra e refugiaram-se em Paris em 1995. Após passar uma temporada na Inglaterra, transferiu-se para Dublin, na Irlanda, onde vive até hoje.

- Michelle disse...

Zlata Filipović (Sarajevo, 3 de dezembro de 1980) é a autora do livro O diário de Zlata. De 1991-1993, Zlata escreveu sobre os horrores que presenciou durante a guerra em Sarajevo.

Pelo fato de sua biografia ser relativamente semelhante a de Anne Frank, Zlata é, também, chamada de "Anne Frank de Sarajevo". Diferentemente de Anne Frank, Zlata e sua família sobreviveram à guerra e refugiaram-se em Paris em 1995. Após passar uma temporada na Inglaterra, transferiu-se para Dublin, na Irlanda, onde vive até hoje.

Sinopse do Diário de Zlata

Zlata tem onze anos e vive em Sarajevo. Mantém um diário, no qual vai registrando seu cotidiano. Mas a guerra eclode na ex-Iugoslávia e irrompe no diário da menina. As preocupações do dia-a-dia desaparecem diante do medo, da raiva, da perplexidade. O universo de Zlata desmorona.

Trecho do Livro:

"Domingo, 5 de abril de 1992

Dear Mimmy,

Estou tentando me concentrar nos deveres (um livro para ler), mas simplesmente não consigo. Alguma coisa está acontecendo na cidade. Ouvem-se tiros nas colinas. [...] Sente-se que alguma coisa vai acontecer, já está acontecendo, uma terrível desgraça."

Acima de tudo, Zlata é uma garota de grande coragem, pois mesmo no meio de uma guerra sangrenta, conseguiu manter a esperança de um futuro de paz e harmonia entre os povos que habitavam o seu país.

Taís Rieff disse...

Zlata Filipović
Zlata Filipović nasceu em Sarajevo, no dia 3 de dezembro de 1980 e é a autora do livro O diário de Zlata. Entre setembro de 1991 e outubro de 1993 ela conta em seu diário os horrores dos ataques sérvios que destruíram a Bósnia-Herzegóvina, parte da ex-Iugoslávia. Escreve sobre o porão escuro e gelado onde se escondiam para escapar dos tiroteios, do racionamento de comida, da falta de água, luz e gás.
Trecho do Livro:
"Domingo, 5 de abril de 1992
Estou tentando me concentrar nos deveres (um livro para ler), mas simplesmente não consigo. Alguma coisa está acontecendo na cidade. Ouvem-se tiros nas colinas. [...] Sente-se que alguma coisa vai acontecer, já está acontecendo, uma terrível desgraça."
A primeira parte do livro foi lançada em servo-croata pela Unicef, numa edição de poucos exemplares, com circulação local. Uma editora francesa se interessou pelo diário e, em poucos meses, vendeu 200 mil exemplares.
Pelo fato da biografia de Zlata ser muito parecida com a de Anne, ela também é chamada de "Anne Frank de Sarajevo". Mas diferentemente de Anne Frank, Zlata e sua família sobreviveram a guerra e receberam autorização para deixar Saravejo, capital da Bósnia, e foram morar em Paris. Hoje Zlata vive em Dublin, na Irlanda.
Acima de tudo, Zlata é uma garota de grande coragem, pois mesmo no meio de uma guerra sangrenta, conseguiu manter a esperança de um futuro de paz e harmonia entre os povos que habitavam o seu país.